Por que vacinar? Para imunizar, óbvio! Num primeiro momento, surge a resposta - para prevenir - o que é questionável, pois se previne de fato somente quando o animal está realmente imunizado, e para tanto são vários os fatores envolvidos. Como resposta, poderia dizer que o mundo clama por “sanidade animal” e o objetivo precípuo da medicina-veterinária é se preocupar com animais hígidos e alimentos livres de contaminantes de maneira geral, e em especial os de caráter zoonótico.
São estes aspectos que tornaram o Brasil líder entre os exportadores de carne bovina, pois houve investimento para atingir grande avanço tecnológico na cadeia produtiva da carne, procurando manter a sanidade do rebanho, fazendo com que a carne brasileira desse um salto na pauta das exportações. Sem dúvidas, o controle sanitário é o passaporte para a competição do produto brasileiro nos mercados mundiais e grande contribuição da agropecuária brasileira para o agronegócio, que representa, hoje, uma fatia importante e significativa do PIB, mas que tem condições de brevemente ser o principal país fornecedor de carne do mundo.
O controle sanitário é possível a partir da adoção de medidas preventivas para evitar uma série de enfermidades que acometem os animais, e neste caso específico, os ruminantes. Entre essas medidas, a imunoprofilaxia a partir da vacinação dos animais, permite o controle eficiente de muitas enfermidades. Algumas doenças já são prevenidas pela transferência de imunoglobulinas através do colostro, pois nos ruminantes não há passagem de anticorpos pela placenta. Desta forma, a vacinação das fêmeas protege as suas crias nas primeiras semanas de vida, pelo fornecimento de colostro rico em anticorpos produzidos a partir da vacinação, por exemplo, no terço final de gestação. Para que esta transferência de imunoglobulinas ocorra é necessário que o recém-nascido mame colostro nas primeiras horas de vida, até 36 horas no máximo, momento em que é possível maior absorção pela mucosa intestinal.
Os animais podem ser vacinados logo após o nascimento, pois em muitas situações há riscos para os neonatos. A princípio, todos os animais ao nascer, são imunocompetentes, entretanto, ocorre um amadurecimento do seu sistema imune com o passar do tempo. O principal inconveniente quanto à vacinação de neonatos é a presença de anticorpos bloqueadores ou neutralizantes, recebidos via colostral, que impedem uma melhor resposta por parte do animal, não propiciando uma resposta imune efetiva. Quando o animal é vacinado, os linfócitos B, em resposta ao antígeno vacinal, respondem com a produção de anticorpos das classes IgM e IgG. Essa resposta é variável em função do tipo de vacina administrada, de fatores relacionados ao próprio animal, qualidade da vacina, especialmente no que se refere à sua manutenção e manejo. Em algumas situações, frente a alguns patógenos, a resposta humoral não é eficaz, havendo necessidade da resposta celular (ocorre a partir da interação de diferentes tipos de leucócitos e sua indução por linfócitos T, que reconhecem o antígeno e tentam destruí-lo) ou ainda por IgA secretória (anticorpos resistentes à destruição de enzimas proteolíticas, presentes nas superfícies mucosas). Para resposta adequada quanto a produção de IgA secretória o ideal é aplicação de vacina via mucosa, como por exemplo intranasal. Se uma fêmea for vacinada ou exposta a um determinado agente infeccioso em seu trato intestinal, haverá a produção deste tipo de imunoglobulina tanto no intestino como na glândula mamária, sendo transferida ao neonato durante a lactação.
A imunidade ativa, adquirida de forma artificial, a partir da vacinação induz a período prolongado de proteção, sendo mais intensa, rápida e mais duradoura a partir das revacinações. De maneira geral, considera-se como vacina ideal aquela que é capaz de induzir resposta imune intensa e por período prolongado. Além de eficiente, deve ser de baixo custo, estável e viável para utilização massal. Deve ainda permitir a diferenciação de resposta de anticorpos frente à vacinação e à infecção.
Classificações e tipos de vacinas
De acordo com as características do antígeno podem ser classificadas em vivas ou atenuadas, mortas ou inativadas, e ainda em toxoides ou anatoxinas. As inativadas podem conter o agente ou somente suas frações antigênicas. Os toxoides consistem em toxinas bacterianas inativadas. O importante é que as vacinas inativadas mantenham as características antigênicas do agente natural. Como inativantes são utilizados o formaldeído, que causa desnaturação proteica, a etileneimina, a acetiletileneimina e a b-propiolactona, que alteram cadeias de ácidos nucleicos, não alterando a superfície proteica do antígeno, não interferindo na antigenicidade.
No caso das vacinas atenuadas, o agente se replica nas células do hospedeiro. Desta forma, os agentes virulentos devem ter a virulência reduzida, para serem utilizados nas vacinas. A atenuação pode ser obtida por passagens seriadas em modelos biológicos como animais de experimentação, cultivos tissulares, ou ovos embrionados. Outras possibilidades são a adaptação dos agentes a condições desfavoráveis ao seu desenvolvimento, por meio de temperaturas ou concentração inadequadas de sais à expressão de fatores de patogenicidade, fazendo com que percam a adaptação ao hospedeiro natural. Atualmente, vêm-se realizando a atenuação com a utilização de mutantes termossensíveis ou modificados geneticamente.
Podem ser citadas como vantagens das vacinas atenuadas: baixo custo, menor número de aplicações, não necessitam de adjuvantes, risco menor de hipersensibilidade, indução de interferon e baixa massa antigênica. Com relação às inativadas, as principais vantagens são estabilidade no armazenamento, segurança no caso de animais prenhes, não apresenta virulência residual e agentes contaminantes. Como desvantagens no caso das atenuadas são o risco de patogenicidade residual ou imunossupressão, a possibilidade de reversão à virulência, da manutenção do agente no meio ambiente, armazenamento especial, possibilidade de contaminação. Quanto às inativadas, fatores limitantes são a imunidade de menor duração, aplicação parenteral obrigatória, várias aplicações, maior massa antigênica, alto custo, e possibilidade de hipersensibilidade.
A partir dos conhecimentos de biotecnologia e engenharia genética, é possível a produção de novos tipos de vacinas:
u Vacinas de subunidades: obtidas a partir da purificação do antígeno protetor. Elas impedem a ocorrência de hipersensibilidade. São exemplos, o toxoide tetânico, que é constituído da exotoxina inativada do Clostridium tetani; a vacina constituída da citotoxina inativada de Pasteurella haemolytica; a vacina contra herpesvirus equino tipo 1, que é constituída da glicoproteína do envelope viral, e a vacina contra leptospirose que se constitui na membrana externa do seu agente. Nestas vacinas, a partir da identificação da fração protetora, são selecionados os epitopos protetores importantes, com a subsequente clonagem do gene em vetores como Escherichia coli, Salmonela sp, ou por síntese química.
u Vacinas deletadas: consistem na atenuação pela mutação. Procede-se a seleção de mutantes com características desejáveis, como a diminuição na capacidade de reativação viral após latência, ou que possibilitem a diferenciação da resposta vacinal daquela induzida pela infecção ou doença, o que é possível deletando-se determinados genes essenciais à replicação e imunogenicidade.
u Vacinas recombinantes: utilizam como vetores, vírus que apresentam capacidade de expressão genética de determinantes antigênicos de patógenos com a ausência de enfermidade no hospedeiro. São vetores o vírus vaccínia e os poxvírus, de diferentes espécies.
u Vacinas anti-diotipos: os anticorpos produzidos frente aos antígenos apresentam regiões, que são denominadas de idiotipos, que correspondem ao flocal de ligação ao antígeno. Tais anticorpos, quando inoculados em animal de espécie diferente da qual foram produzidos, induzem à formação de anticorpos secundários, que apresentam regiões com a configuração do antígeno inicial. Como vantagens, não possuem ácido nucleico e proteínas indesejáveis.
u Vacinas de ácidos nucleicos ou DNA vacinas: trata-se de injeção de partes do DNA purificado do agente que contém genes específicos para os antígenos de interesse. Insere-se esta fração do DNA em plasmídeo, por exemplo, de E. coli, e aplica-se por várias vias no animal. Tem-se avaliado este tipo de vacina com bons resultados, na raiva, herpesvirus bovino, doença de Aujezsky, e diarreia viral bovina.
u Vacinas polivalentes: levando-se em consideração a patogenicidade e aspectos relacionados ao manejo dos animais, é comum a associação de antígenos. Apesar do conceito de competição antigênica, diferentes estudos assinalam a indução de imunidade adequada para as enfermidades a que são dirigidas.
u Autovacinas ou vacinas autóctones: são recomendadas em determinadas situações e preparadas a partir de materiais provenientes da própria propriedade ou local. São muito utilizadas para controle de surtos de diarreia, com resultados favoráveis, variáveis. Podem ser ensaiadas, a partir do isolamento do agente infeccioso e posterior inativação, devendo recorrer à laboratórios especializados para a preparação.
Recomendações
Ao aplicar determinada vacina, a imunidade não se estabelece prontamente, pois o organismo necessita de, pelo menos, entre 10 e 15 dias para que ocorra a produção adequada de anticorpos. Este período, no qual o animal continua susceptível à doença, que vai desde a aplicação da vacina até o desenvolvimento da imunidade, é conhecido como fase negativa da imunidade. Este fato é observado quando da primovacinação, pois a partir da aplicação da segunda dose, ou reforço (booster), a produção de anticorpos se estabelece mais rapidamente, sendo também mais duradoura.
Outros aspectos devem ser levantados, quanto à possibilidade de falhas em um programa de vacinação. Entre vários fatores que contribuem para falhas na vacinação, impedindo a formação de anticorpos em concentração adequada para neutralizar o microorganismo agressor, estão:
u Deficiência da vacina: falta ou perda do poder antigênico, virulência do antígeno quando mal atenuado, que pode permitir a reversão de virulência, discordância antigênica, ou seja, o microorganismo agressor pode ser de variante antigênica diferente, ou no caso de vacinas contaminadas.
u Deficiência no manejo e aplicação da vacina: por conservação inadequada do produto, aplicação após o vencimento, dose insuficiente, animais que escaparam à vacinação e pela falta de assepsia e limpeza no momento de aplicação.
u Deficiências no estado orgânico: animal com doenças intercorrentes, no caso de doenças em período de incubação e ainda nos casos de doenças subclínicas e estados especiais como gestação, superprodução, animais muito novos ou velhos. A imunossupressão faz com que ocorra baixa resposta vacinal do animal. Relacionado ainda ao estado orgânico dos animais podem ser citadas as influências do meio ambiente, como fatores metereológicos extremos, como o frio, chuva e calor.
Algumas doenças e esquema de vacinação
No caso específico de ovinos e caprinos, algumas doenças são comuns aos bovinos, entretanto, algumas particularidades são ressaltadas:
u Raiva: recomenda-se a vacinação somente quando houver casos de doença no rebanho, iniciando-se o esquema vacinal com dois a três meses de idade, reforço após 30 dias e a seguir anualmente.
u Febre aftosa: as vacinas são as mesmas recomendadas para bovinos, entretanto, com dose diferenciada, devendo-se sempre seguir as especificações do laboratório produtor.
u Clostridioses: recomendam-se também vacinas polivalentes com as várias espécies de clostrídios, na forma de bacterianas ou toxoides. Recomenda-se vacinar ovelhas três semanas antes do parto para permitir a ingestão de colostro rico em anticorpos específicos. Iniciar esquema preventivo com a idade de 3 a 4 semanas e revacinar após 2 a 4 semanas, com revacinações anuais.
u Tétano: a maior ocorrência está associada às castrações, tosquia, corte de cauda e vacinações em geral. O esquema inicial deve iniciar aos dois meses de idade com revacinação anual. Recomenda-se, para a prevenção do tétano neonatal em cordeiros, a vacinação das fêmeas no final da gestação (últimas duas a três semanas). Obtém-se boa resposta com a vacinação inicial e revacinação na gestação. A imunidade no tétano é praticamente vitalícia, mas o esquema de revacinação de fêmeas durante a gestação protege as suas crias, até o momento da imunização ativa a partir da aplicação da vacina.
u Ectima contagioso: recomenda-se a vacinação nos caprinos e ovinos somente quando ocorrer a doença na propriedade, pois trata-se de vacina viva, aplicada por escarificação da pele glabra, onde o vírus se replica e induz imunidade. Tanto animais infectados naturalmente, como os vacinados podem desenvolver a doença novamente, pois os Parapoxvirus apresentam subtipos, imunologicamente distintos. Desta forma, em casos de surtos, providenciar vacinação imediata de todos os animais com idade superior a seis semanas, procedendo de acordo com as especificações do laboratório produtor, com cuidado na manipulação, pelo risco de infecção humana. Um surto de doença em ovinos foi atendido e o controle foi obtido com vacinação comercial de todos os animais da propriedade, com idade permitida e controle de lesões utilizando-se formulação tópica, de iodoglicerinado.
u Leptospirose: os ovinos e caprinos são susceptíveis aos mesmos sorovares que acometem bovinos. Desta forma, os inquéritos soroepidemiológicos podem orientar quanto à prevalência dos sorovares na propriedade e qual a melhor vacina a ser utilizada. Da mesma forma que para os bovinos, recomendam-se revacinações semestrais.
u Linfadenite caseosa: causada pelo Corynebacterium pseudotuberculosis, a resposta predominante é a celular, e desta forma não há proteção total contra a formação de abscessos, mas há redução do número de lesões. Para os caprinos a resposta é menos efetiva. O esquema deve ser a partir dos dois meses com reforço após 30 dias, e a seguir anualmente. Fêmeas prenhes podem ser vacinadas três semanas antes do parto para garantir imunidade colostral, que é eficiente. Neste caso, os cordeiros, produtos das mães vacinadas, e nas propriedades com alta prevalência, os animais devem ser vacinados a partir do 3º mês de idade.
Helio Langoni é professor adjunto do Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública - FMV/UNESP-Botucatu (SP).
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