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Do Zé do Cochilo para o Luís da cidade

Autor: Texto-base de Luciano Pizzatto (1) - 08/09/2009

Prezado Luís,

 

Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra, né? O Zé do sapato sujo? Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais de meia légua para pegar o caminhão. Por isso o sapato sujava.

Se não lembrou ainda eu te ajudo.  Lembra do Zé Cochilo? Era eu. Quando eu descia do caminhão de volta pra ca­sa, já eram onze e meia da noite e, com a caminhada até em casa, quando eu ia dormir já era mais de meia-noite. De ma­drugada pai precisava de ajuda pra tirar leite das vacas. Por isso eu vivia com so­no. 

Estou pensando em mudar para viver aí na cidade, que nem vocês. Não que seja ruim o sítio. Aqui é muito bom. Muito mato, passarinho, ar puro. Só que acho que estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos aí da cidade. Estou vendo todo mundo falar que nós da agricultura estamos destruindo o meio ambiente.

Veja só. O sítio do vô, que foi do pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que parar de estudar) fica só a uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui já têm luz em ca­sa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes por dentro de uma tal de APPA que criaram aqui na vizinhança. Então vejo televisão na praça da igreja.

 

 

 

 

u O empregado - Pra ajudar com as vacas de leite, depois da morte de pai, contratei Juca, filho de um vizinho muito pobre aqui do lado. Tudo nos trinques: carteira assinada, salário mínimo, tu­do direitinho como o Peró contador man­dou. Juca agra­­deceu a Deus pelo emprego e morava aqui com nós mesmos, num quarto dos fundos de casa. Co­mia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas do Sindicato e da Delegacia do Trabalho; elas falaram que se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo. Mas as vacas daqui não sabem parar no sábado e no domingo e então dão leite todo dia. Acho que os bichos da cidade sabem se guiar pelo calendário; são mais evoluídos! Acho que nenhum filhote da cidade mama aos sábados e domingos, né!

Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche estava dois centímetros menor do que devia. Nossa! Eu não sei como encompridar uma cama! Só comprando ou­tra, né, Luís? Também disseram que não podia acender o candeeiro no quarto. Tinha que ter luz elétrica pro empregado, ou nada feito! Eu tenho que ter um ge­rador, na marra, só pra ter luz boa no quarto do Juca!

Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia junto tinha que fazer parte do salário dele. Disseram que o quarto era insalubre, pois às vezes tem cheiro de bode, ou de galinha, ou de por­co! Ou sumiam os cheiros, ou nada de empregado!

Pra piorar, se Juca trabalhasse sem boné, ou sem camisa, ou sem botina, eu podia ser multado! Eu tinha que controlar o Juca o dia inteiro, pra ver se esta­va de boné!

Então não tinha solução: tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa, desempregado, mas com certeza muito bem protegido pelos Sindicatos, pelos fiscais e pelas leis. Ele foi, mas eu acho que não deu muito certo. Na semana pas­sada disseram que ele foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso quando estava no supermercado. Levaram o coitado pra delegacia, bateram nele pensando que o nome era Juda e não Juca, mas não apareceu nem Sindicato nem fiscal do trabalho para acudi-lo. Aqui ele pegava farinha, doce, su­co, e ninguém batia nele.

 

u Os porcos - Depois que o Juca saiu, lá fomos eu e Marina, minha mulher, tirar o leite às 5 e meia. Aí eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da cooperativa pega todo dia. Isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos. Ou melhor, eu dava, porque hoje eu jogo fora, pois os porcos eu não tenho mais. Outro dia veio um outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o riacho não po­dia ser só 20 metros. Disse que eu tinha que derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio. Derrubar tudo, como?

E tem mais: disse que tinha que fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de digestor.  Achei que ele tava certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns trinta dias. Então, mesmo assim, ele me multou, e pra po­der pagar eu tive que vender os porcos, as madeiras e as telhas do chiqueiro. Fiquei só com as vacas.

Tive sorte! Foi o que disse o promotor, por não ter sido preso, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas pro orfanato da cidade. Viu só, Luís? O roceiro le­va mul­ta e paga cestas básicas pras pessoas da cidade e não pras pessoas da roça.

Foi assim que percebi que na cidade não tem cheiro ruim de porco, de bo­de, de galinha, cheiro nenhum, né? E ninguém paga multa por trabalhar em coisas de roçado. É um paraíso.

 

u A água - Minha água é de um poço que meu avô cavou há muitos anos, uma maravilha, mas um homem do governo veio aqui e falou que tenho que fa­zer uma “outorga da água” e pagar uma taxa de uso, porque senão a água vai se acabar. Se ele falou deve ser verdade, né, Luís?

Agora, pela água do meu poço eu até posso pagar, mas estou preocupado com a água do rio. Aqui agora o rio to­do deve ser como o rio da capital, todo pro­tegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas não podem mais chegar ao rio pra não sujar a água, nem fazer ero­são. Tudo vai ficar limpinho bem igual­zinho aos rios aí da cidade.

Tentei seguir a Lei, mas as plantas demoram pra crescer e, enquanto isso, deixei as vacas bebendo. Pois não é que chegou um fiscal e passou uma bruta mul­ta e me acusou de traidor da pátria. E eu sempre achava que era patriota, pois gostava de escutar o Hino Nacional no futebol.

 

u A árvore - Aqui no mato  agora quem sujar água tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa Senhora! Tinha uma árvore grande ao lado de casa. Murchou, coitada!, e tava morrendo, então resolvi derrubar para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da casa.

Disseram que precisa autorização e fui a um escritório pedir a ordem. Como não tinha ninguém, fui no Ibama da capital, preenchi uns papéis. Disseram pa­ra voltar e esperar um fiscal que viria fazer um laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram 8 meses e ninguém apareceu pra fazer o tal laudo. Aí eu vi que o pau es­tava pra cair em cima da ca­­sa e derrubei.

Que azar! Justo no outro dia chegou o fiscal e me tascou uma bruta multa e cobrou umas cervejas por fora.

Para piorar, recebi uma intimação do Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos, depois a água, e agora foi o pau. Acho que meu destino é acabar preso. Entendi que não sirvo pra viver no campo, é o que alegou o Promotor.

 

u O sonho - Tô preocupado, Luís, pois no rádio deu que uma nova Lei vai dar multa de 500 a 20 mil reais por hectare e por dia. Calculei que, se eu for multado, perco o sítio numa semana. A vida do meu avô, do meu pai, e minha, va­lem só uma semana de multa do Governo! Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida bem da ecologia.

Pensei em ir pra um Assentamento de Reforma Agrária. Até visitei, mas só tinha gente ruim, ninguém trabalhava, ninguém entendia de chão, de planta, de nada. Todo mundo na preguiceira es­perando uma Bolsa Família. Eu tenho orgulho de trabalhar! Não quero esmola, não! Então me convidaram para invadir terra de outros fazendeiros e eu não entendi nada. Se alguém invadir a minha, eu nem sei o que faço pra defender, mas boto a cobra pra cantar. Então, como pos­so invadir a terra dos outros? E era gente do Governo!

Achei os conselhos muito esquisitos. Não posso ter terra, não posso ter empre­gado nem dentro de casa, mas es­tão distribuindo terra pra quem não quer trabalhar. Não posso ter bode, porco, ga­li­nha, poço, rio, nem árvore no quintal. Se­rá que alguém vai comer terra, igual minhoca? Então, parece que morar na roça perdeu a graça! Homem trabalhador, no campo, é ignorante, burro, pagador de multa, sofredor eterno. Quem quer isso?

Vou para a cidade, aí tem luz, ­carro, comida, rio limpo. Aí, na cidade, eu sei que a lei é pra todos. Disseram que só precisam de uma casinha e de uma gela­deira. Então, estou vendendo a terrinha do meu avô, de meu pai e minha, vou comprar uma geladeira na cidade. Aqui na roça eu tenho que plantar, cultivar, limpar, rezar pra chover, colher e levar pra casa, para durar um ano inteiro. Aí na cidade é muito melhor; é só abrir a geladeira que tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuidar de galinha, nem porco, nem vaca é só abrir a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem cheiro de bode, de porco, de galinha, de fiscal. Uma beleza!

Tô chegando, Luís!

 

 

(1) Luciano Pizzatto - é engenheiro florestal, especialista em direito sócioambiental e empresário, diretor de Parques Nacionais e Reservas do IBDF/IBAMA 88/89, deputado desde 1989, detentor do 1º Prêmio Nacional de Ecologia.

 

 

 

Informe adicional:

O proprietário rural dedica-se de sol a sol junto de seus empregados braçais à árdua tarefa de tirar do solo os recursos e os alimentos para a imensa população de nossas cidades e ainda exportar os excedentes. Ele não pode e nem aceita ser tratado como crimino­so. A lavoura foi e continua sendo a ala­vanca de nossa prosperidade, fato que tornou notória nossa reputação de terra da fartura, condizente com a de terceiro maior exportador mundial de grãos e maior produtor e exportador de carne. Neste Governo, com simples normas e portarias ministeriais, sem discussão neste Congresso, nossos buro­cratas muitas vezes têm jogado na ilegalidade imensas áreas produtivas de nosso território, passando em seguida a intimidar seus proprietários com amea­ças de desapropriação e outras mais. (Leal Varella, deputado (DEM-MG), em 05.05.2009)






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