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Dia de Vacina

- 10/08/2012

Seu Ermínio era o veterinário da fazenda, funcionava como um relógio, sempre na data correta, seguindo o calendário pregado na parede do curral. Estava para lá dos 60 anos, cara de emburrado, mas era boa gente na hora da conversa. Chegou, encostou o carro na sombra, foi logo convidado para o café na casa-grande, como sinal de boas vindas. Nesse dia, demorou-se pouco no café, não porque a tapioca estivesse menos crocante, ou o mungunzá meio gelado; era pressa mesmo, pois o dia ia ser grande!

Começou o trabalho, no meio da cantoria dos peões que iam chegando, trazendo lotes e mais lotes de animais. Era dia de vacinação geral: vaca, boi, garrote, carneiro, ovelha, cabra, bode e o que mais aparecesse. Era um dia muito alegre, mas que exigia cuidado e calma, pois havia bicho de todo tipo na reunião.

Acontece que Dona Zefinha, a professora da escolinha, tinha um quê-de-quê pelo antigo veterinário e bem nesse dia resolveu se aproximar. Não tendo assunto, inventou um: era dia da criançada ter aula-de-campo, observando e anotando tudo sobre uma vacinação de animais. Tudo bem, a intenção era boa, mas havia um problema: como controlar a soma de quase cinquenta garotos e garotas arrulhentas e desembestadas? Afinal, para a molecada era uma boa distração, um dia qualquer transformado em quase domingo.

E o dia da vacinação transformou-se num pega-pega, tapa-tapa, grita-grita, corre-corre, berra-berra, chia-chia, misturando-se ao tradicional vozerio dos animais de todos os tamanhos, credos, raças e origens.

Seguindo a ordem militar, o bando revoluteva, sempre, por perto da professora. Então, chegava ao curral, onde Dona Zefinha batia um papinho com Seu Ermínio, sempre muito educado, compenetrado, em seu jaleco, montado no brete, com ar de imperador do dia. Num trisque a turba com Dona Zefinha à frente sumia para ver o pomar. Logo, voltava para mais um papinho e, de novo, saía para ver a moenda de cana. Depois, voltava outro papinho e saía para ir ver o rio onde um dia havia até jacarés e cobras grandes. E assim foram muitas idas e vindas, aproximando o viúvo empedernido e a solteirona muito ajeitada, no meio daquele oceano de travessuras da criançada.

Lá pelas onze horas, Seu Ermínio já tinha certeza absoluta de que não iria terminar o serviço no horário e os animais já começavam a dar mostras de preocupação diante daquela algazarra desenfreada, daquela turba empoleirada nas varas, daquele monte de bracinhos levantando, baixando, apontando, perturbando a milenar fleuma do campo.

- Xiii... Em vez de quatro horas, a vacinação vai durar quatro dias - reclamou o peão, como profeta bíblico.

Acontece que meninada odeia repeteco e, a cada chegada ao curral, mostrava ares de descontentamento, pois havia tanto a ver na fazenda e não era justo perder tempo visitando o local onde só havia trabalho e um montão de bichos. Criança quer novidades! Não sendo atendida, começa a fazer desaforices, a mexer onde não deve, a se pendurar nos paus, a pular onde não deve, a atiçar a bicharada.

Foi nesse ponto, que Seu Hermínio viu que lá vinha a professora faceira, arrastando a gurizada - de novo - rumo ao curral.

Não eram mais alunos: aquilo era um bando de diabinhos sem cabresto e bridão. Vendo a desaprovação dos vaqueiros, tomou uma decisão:

- Vou pegar meu canhão.

Foi até sua maleta, com cara amarrada, pegou a única arma que poderia dar um fim àquela confusão. Com as mãos nas costas, jaleco retinindo ao sol, colocou na cara um sorriso de papa-defuntos e ficou na frente da invasão. Com a mão direita erguida, segurava os peraltas até que os últimos se chegassem. Até Dona Zefinha ganhou a dianteira, sorridente, ao ver que o ilustre veterinário estava querendo dar uma aula para os alunos. Era um momento mágico. Todo mundo parou, olhinhos arregalados, fixados no doutor grandalhão que tinha a sabença do mundo no costado e que iria ditar, finalmente, as leis do universo. E a voz trovejou:

- Surpresa!

Todos pararam para escutar.

- Vocês, da escola, hoje estão de férias, pois é dia-santo escolar. Agora que terminamos o serviço com os animais, já podemos fazer o serviço combinado com a criançada da escola. Hoje é dia-santo da vacinação, aqui na fazenda, como vocês viram. Também a criança que não recebe vacina morre. Ouviram bem? Morre! Morre! Então, todos vocês precisam ser vacinados. Hoje é o dia-santo da vacinação da criançada. Podem formar uma fila e vir avançando para cá.

 Foi aí que o doutor tirou a mão esquerda das costas, segurava uma enorme seringa de litro-e-meia, daquelas de fazer punção em barriga de cavalo empanzinado, com uma agulha gigantesca de 30 centímetros.

- Vamos aproveitar o dia-santo e começar a vacinação das crianças. Já estamos atrasados.

E sacudia a seringa, para ficar bem clara sua intenção.

Os olhos ficaram vidrados, silêncio absoluto, as pernas tremeram, os braços caíram, o relógio parou, o céu desapareceu, até as vacas aquietaram para ver o final, as cabras sorriam, os carneiros se altearam, alguma coisa ia acontecer.

As bocas se abriram e o clamor foi geral:

- Uaaaaaau!

Foi um grito só, um deus-nos-acuda, com menino escafedendo-se por todos os lados, desembestados para a casa-grande, para a porteira, para o pomar, para o mais longe possível, atropelando pato, galinha, gato, cachorro, sabugo e quem ficasse para trás.

Foi assim que voltou a reinar um grande e santo silêncio no curral, para satisfação dos animais e a vacinação voltou ao ritmo na santa paz de Deus, com Dona Zefinha, já longe, tentando juntar a molecada espavorida para voltar para a escola.

 

Fonte: inspirado em um caso apresentado em "O galinhista", pág. 48, de Edson Pereira (2010).

 






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