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O papo do bode

- 02/11/2012

No Café Central, em Goiânia - que já se mudou para Água Boa, no longínquo Mato Grosso - na década de 1950, era ponto de reunião de vendedores, compradores, negociantes, tropeiros, capadores, mochadores, cortadores de frieira, pilotos de aviões, cambistas, engraxates, bargbeiros, empreiteiros. Acima de todos flutuava a nata dos “fazendeiros”, palavra que sempre indicava alguém de muitas posses. Hoje, “fazendeiros” é quase sempre um pobre; rico é o “ruralista”; ou “empresário rural”.

Naquele dia, a roda estava bem animada, pois o famoso Constantino pelejava com Olavo e Barbosa, grandes criadores de Barra do Garças. O fato é que Constantino vendera seis tourinhos para o Barbosa e agora ouvia reclamação em público:

- Os filhos de boi comprado não estão correspondendo e nem merecem o título de tourinhos.

Os de-fora queriam o desfecho na base do “devolve-não-devolve”; os mais pacíficos queriam o “troca-por-outros”; mas Constantino viu o antigo veterinário por perto, deu-lhe um torniquete no braço e murmurou:

- Dessa você não escapa. Vai dar sua opinião, pois os bichos eram bons, lá em casa. Não sei o que acontece na fazenda de Barbosa: isso é tarefa para veterinário dos bons.

O pobre técnico, em papos de aranha, estava suando, diante de tão poderosos fazendeiros. Começou balbuciando, baixinho:

- Bom, eu conheço a fazenda do Constantino; não conheço as de Olavo e Barbosa.

- É, mas a fazenda é boa, pode acreditar. Os bichos estão nascendo nanicos, anões.

- Só isso?

- Tem mais. Estão nascendo sem pelos. Alguns nasceram mortos.

- Bom, até aqui parece que o defeito maior está nas vacas e não no touro.

Barbosa ficou vermelho, e abriu um berreiro meio para inglês ver:

- Ora essa! Para puxar o saco do Constantino, vem o senhor fazer desfeita de minhas vacas? Pois pode ir sabendo que eu não troco nenhuma de minhas vacas pelas campeãs dele.

O veterinário estava quase tendo um troço, pois viu que esse poderia ser seu último dia na terra.

- Não, Seu Barbosa, nada disso. Eu não iria falar mal de suas vacas, que não conheço. Isso não se faz. Sou homem de bem; não falo de quem está longe.

Engasgou, franziu a testa, coçou o nariz, suava em borbotões, mas continuou:

- Acho que está existindo alguma coisa errada durante a gestação.

- Pois lá vem o senhor com a cantilena de sempre, mas está querendo é soprar veneno na ferida aberta. Pois é bom saber que minha vacada é toda vacinada contra brucelose, aftosa, toma lombrigueiro todo ano. Não tem nada errado com as vacas, não! Tudo começou quando esse molestoso garrote do Constantino entrou lá.

O veterinário continuava, tentando explicar o quase inexplicável a essa turba:

- Acontece que parece estar faltando uma coisa simples: o tal do Iodo. Ele faz as vacas parirem fora do tempo. Quando parem, os bezerros são pequenos. Muitos nascem sem os pelos. Sem os dentes. Alguns bezerros até desfilam um vergonhoso papo da miséria.

- Tá! A descrição está boa, mas eu dou sal mineral de oito em oito dias. Não tem explicação, não!

O assunto fervia, a multidão se espremia para ver se desse mato iria sair algum cachorro raivoso que fosse notícia pro resto da semana. Foi aí que o veterinário teve a ideia mais genial de sua vida:

- Pois me diga, Seu Barbosa, por acaso o senhor tem cabritos na fazenda?

- Claro que tenho. Cabritos e ovelhas.

- Pois só me fale dos cabritos, por gentileza. Muitos morrem, não estão morrendo?

- Bom, alguns andam morrendo, sim, mas onde entra o garrote do Constantino?

- Os que sobram, quando crescem, têm um papo grandalhão, não tem?

- Uai, homem, como é que adivinhou? Os bichos têm papeirão, sim.

O veterinário ficou empolgado.

- É isso aí, homem. Vamos tomar uma boa talagada, pois esse caso chegou a um bom final. Suas terras estão precisando de uma boa dose de Iodo, ou a alimentação do gado.

- Mas como?

O veterinário deu o cheque-mate, desabafando, enxugando a testa:

- Pois saiba que nós, veterinários, não temos pacto com Deus, não! Nós damos duro, trabalhando. Não tem como enganar fazendeiro, quando os bichos estão morrendo. Boa parte do que aprendemos é observando, no campo. E sabemos que, quando tem cabrito com papo grande, a comida ou a terra está fraca.

- Cabrito?

- Isso mesmo: ca-bri-to! A miunça é o termômetro, a bússola do veterinário. É o “sinaleiro”, o chocalho. Por isso todo mundo deveria criar um lote de ovelhas e um lote de cabras. Observando os dois lotes, o veterinário sabe como está a propriedade! Muitas doenças atingem, antes, os pequenos ruminantes. No seu caso, a falta de iodo está na cara, ou seja, está no papo dos cabritos.

 

 

Baseado no livro de Edson Pereira, “O galinhista”, Goiânia 2010, página 120, gentilmente oferecido ao editor de O Berro, com autorização para uso.






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