Introdução
A sanidade do rebanho é essencial para um bom resultado econômico e produtivo do plantel. Animais doentes diminuem a produção, possuem baixa eficiência reprodutiva e aumentam os gastos financeiros com a compra de medicamentos. É de fundamental importância o conhecimento das principais enfermidades que afetam os caprinos e ovinos para que possamos realizar um diagnóstico correto e tomar as medidas de controle necessárias.
As doenças metabólicas que acometem os pequenos ruminantes podem ser evitadas observando-se as regras básicas de nutrição e condição corporal do animal. A energia é o nutriente mais importante na relação entre nutrição e a reprodução dos pequenos ruminantes, embora a proteína e os outros nutrientes, tais como minerais e vitaminas, sejam também essenciais ao processo reprodutivo desses animais.
É durante a gestação e logo após o parto que esses distúrbios metabólicos acontecem com mais freqüência. Nesse período, a capacidade ruminal da fêmea é diminuída à medida que os fetos vão crescendo no interior do útero. Cerca de 70% do crescimento da cria ocorre no terço final da gestação. É justamente nesse período que as necessidades energéticas da fêmea aumentam. Assim, a deficiência energética nas fêmeas gestantes pode ocasionar um quadro conhecido como toxemia da gestação.
O objetivo desse artigo é fazer o relato e o estudo de caso de uma ovelha que foi levada a estação experimental da Embrapa em Petrolina, Pernambuco, apresentando toxemia da gestação.
Relato do caso
Chegaria à estação uma ovelha Santa Inês gestante, com aproximadamente 1,5 ano de idade, baixa condição corporal (CC=2,0), desidratada, apresentando ranger dos dentes, tremores musculares e queda dos pêlos (Figuras 1 e 2). Inicialmente apresentou falta de coordenação motora e trem posterior (quadril) caído. Levantava-se com ajuda do manejador (Fig. 3), mas se deitava logo em seguida. Um dia após a primeira observação, entrou em decúbito ventral. Embora apresentando os sinais clínicos normais, como temperatura, freqüência respiratória e cardíaca, apresentou redução de apetite. Só comia quando o alimento era oferecido na boca (Fig. 4). Um sinal característico de toxemia da gestação é o cheiro de cetona eliminado na respiração do animal.
Na tentativa de indução do parto, aplicou-se 100 mg de cloprostenol (PG F-2a) + 0,25 mg/kg de dexametasona. Com o intuito de melhorar as condições físicas do animal, foi aplicado 500 ml de complexo vitamínico-mineral e glicose. Como as drogas não provocaram a indução do parto, a cesariana foi realizada 48h após as aplicações. Foram retirados dois fetos ainda vivos, sendo evidenciado que os mesmos já haviam atingido 2/3 do crescimento fetal (Fig. 5). A ovelha morreu um dia após a cirurgia durante um final de semana, não sendo possível ser feita a necrópsia.
Descrição do distúrbio
A toxemia da gestação é uma desordem metabólica caracterizada pela diminuição dos níveis de carboidratos e aumento dos corpos cetônicos (cetonas) na corrente sanguínea, que ocorre como resultado da incapacidade do animal em manter o balanço energético adequado (Pastor et al., 2001). Devido à diminuição da glicemia, o animal começa a utilizar suas reservas corporais (tecido adiposo) para tentar estabilizar os níveis de glicose, com isto a corrente sanguínea torna-se rica em ácidos graxos, em concentrações acima da capacidade de metabolização do fígado, e assim, resultando na produção de corpos cetônicos na corrente sanguínea (EAST, 1983).
Explicação bioquímica
A carência dos componentes energéticos causa um bloqueio no ciclo de Krebs, resultando na produção inadequada de oxaloacetato, que é derivado da glicose ou de substâncias neoglicogênicas (propionato, glicerol e aminoácidos). Com isto, o oxaloacetato não estará disponível para a conversão da acetil-CoA em ácido cítrico. Como conseqüência, a acetil-CoA, derivada dos ácidos graxos da quebra da gordura, toma vias metabólicas alternativas, culminando na produção de acetoacetato e por fim corpos cetônicos (Pastor et al., 2001). (Fig. 6)
Fatores predisponentes
Os fatores que ocasionam a toxemia da gestação podem ser genéticos, fetos múltiplos, baixa ingestão energética, alta carga parasitária, baixa condição corporal ou, até mesmo obesidade (Merck, 2002). Os animais obesos são susceptíveis a toxemia porque a gordura ocupa espaço na cavidade abdominal e também contribui na diminuição da capacidade de ingestão ruminal.
A toxemia da gestação geralmente é observada em animais no terço final da gestação gemelar ou de trigemelar. Animais gestantes com dois fetos necessitam de uma quantidade de energia 180% maior que um animal gestante com apenas um feto, e esta7 exigência energética aumenta para 240% quando são três fetos (Merck, 2002; Schoenian, 2002).
Sinais clínicos
e diagnóstico
Animais afetados apresentam gradual queda no apetite. Em fases mais adiantadas apresentam tremores musculares, desidratação, queda de pêlos, convulsões, distúrbios visuais, ranger de dentes, movimentos circulares, depressão, decúbito ventral e morte (Nix, 2004; Swartz, 2006). As disfunções neurológicas são causadas pelas lesões neuronais causadas pelo acúmulo de corpos cetônicos que atravessam a barreira hematoencefálica (Merck, 2002). A morbidade entre animais obesos é alta, podendo chegar a 20% do número de animais do rebanho, tendo um índice de mortalidade de 80%.
Os animais doentes apresentam grande aumento dos corpos cetônicos na urina, leite e plasma (Garcia, 2006). Os sintomas da toxemia da gestação podem ser similares com o da hipocalcemia ou febre do leite (Schoenian, 2002). O diagnóstico diferencial é que esta última responde ao tratamento com cálcio.
Tratamento
O tratamento deve ser imediato e agressivo. O feto deve ser removido o mais rápido possível. Em casos avançados, deve-se realizar a cesariana ou indução do parto com prostaglandina ou dexametazona.
Deve-se promover a ingestão de componentes energéticos pela fêmea gestante, como grãos e melaço. Podem ser administrados 60 a 90 ml de propileno glicol ou iogurte duas vezes ao dia, que proverá energia e bactérias para estimular o rúmen (Pugh, 2004). Aplicação endovenosa de glicose é outra possibilidade, mas difícil de ser feita pelo proprietário.
Cuidados que devem ser tomados nas cabras e ovelhas antes do parto:
Oferecer alimento de melhor qualidade, principalmente, durante o último mês antes do parto, pois é onde ocorre o maior crescimento da cria;
As fêmeas obesas devem passar por uma dieta para diminuição do peso, ou seja, manter uma boa condição corporal (CC=3,5);
As fêmeas prenhes devem ser pouco manejadas, evitando a introdução de animais estranhos ao rebanho;
Próximo à época de parição, colocar as fêmeas em um pequeno cercado próximo à casa do produtor.
Considerações finais
Na literatura consultada, não foram encontrados dados sobre a incidência da toxemia da gestação. Todavia, é de conhecimento comum que este distúrbio acontece com certa freqüência, visto que na região semi-árida do nordeste do Brasil, as parições normalmente acontecem durante o período seco, onde há escassez de alimentos para os animais. Durante esse período, também é observada a ocorrência de abortos, onde o animal expulsa a cria como uma forma de defesa.
Deve-se tomar medidas para prevenir as doenças e não para tratá-las. Afinal, os custos financeiros e a mão-de-obra são mais onerosos no tratamento do que na prevenção das mesmas.
Bibliografia à disposição da Editora.
Daniel Maia Nogueira é pesquisador da Embrapa Semi-Árido - daniel@cpatsa.embrapa.br
Madriano Christilis é acadêmico de Medicina Veterinária da UFRPE - madrianosantos@gmail.com
Publicado na Revista O BERRO 99
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