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Cabruzanga Doméstica

- 09/01/2008

Cabruzanga Doméstica

 

Ninguém sabe como começou, mas a vida tranquila da fazenda do coronel Salustino havia ficado para trás e, em seu lugar, estava uma guerra. Eram quatro famílias de pessoas trabalhadoras e honestas, mas - de repente - tudo ­estava de pernas para o ar. Olhares de soslaio, más-intenções visíveis, fofocas, trejeitos, to­das as ferramentas do diabo estavam à solta, antevendo dias cada vez piores.

Cada pastor queria ver a caveira do ou­tro e, então, se algo saía errado logo era motivo para culpar alguém. Era um cenário de cabruzanga total e estava pio­rando. No começo, um estragava o farelo preparado para as ovelhas; outro furava a cerca para atrasar o plano de acasala­mentos; o terceiro trocava até rótulos de medicamentos; outro colocava sal grosso na água; cada um tentando fazer o pior para o ex-companheiro. Logo, cada um tinha três inimigos declarados, todos tentando prejudicar os lotes de ovelhas que nada tinham a ver com a briga. Um desmantelo geral.

A vida havia se tornado um inferno, pois os homens não se entendiam e, de qua­tro simpáticos pastores, transformaram-se em quatro notáveis guerreiros ar­dilosos, trabalhando no escurinho, nos bas­tidores. Desfilavam sorrisos plenos de cinismo e, pelas costas, praticavam toda sorte de artimanhas inspiradas pelo Cão.

O coronel chegava e via ovelhas tro­cadas nos lotes e endoidecia: “Como es­sa ovelha veio parar aqui”? Estava evidente que alguém trocava as ovelhas, nas noites escuras, pretendendo piorar o serviço dos ex-companheiros.

O rebanho, no geral, havia se desmantelado. Havia animal trocado em todos os retiros. Os machos cobriam as fê­meas erradas. Os cuidados sanitários estavam sendo boicotados. As ­máquinas emperravam sem motivo. As forragens guar­dadas estragavam sem motivo. As crias não encontravam as mães. ­Reinava o caos. O prejuízo seria estrondoso, na hora de fazer as contas.

Para piorar, os homens explicavam que só existia um caminho para melhorar: trocar parte das ovelhas dos lotes, cada um puxando brasa para sua sardinha. O coronel percebeu que o caso era bem mais complicado do que pensara.

Depois de consultar o vigário, por vá­rias vezes, o coronel sempre fazia um dis­curso para todos os trabalhadores reu­nidos, seguindo a fé. Todos juravam seguir a cartilha dos homens decentes, mas bastava virar as costas e todos estavam maquinando como prejudicar os de­mais. O discurso nunca era ­suficiente.

Até esse momento, o coronel pensa­va que a querela reinava apenas entre os homens e, então, achava que tratar ciú­me de homem podia ser coisa fácil, mas tudo piorou quando descobriu que as quatro esposas estavam no meio da que­relança.

O coronel viu que cada marido olhava a mulher com certa desconfiança, a conversa sorridente, amigável, já não mais existia e todos estavam ­precavidos. Eram oito descontentes na fazenda.

As mulheres, antes dóceis, tornaram-se raivosas, cada uma fustigando as outras. Sobravam fofocas de que To­nho, casado com Nelinha, ficaria melhor se estivesse unido a Marilda, esposa do Jo­sé que, por sua vez, deveria ficar com Eleida, esposa do Marcão, a qual estaria melhor se casada com Dolico, cuja mu­lher, Dorotéia não escondia o olhar in­cendiado por Tonho. O certo é que todos circulavam na praça, em dia de missa, com a cabeça baixa, pensando nos cornos, pois desconfiavam que a esposa, quando ficava sozinha, devia estar em pleno exercício da traição. Assim, até a vida conjugal estava uma droga, na fazenda do coronel que continuava ou­vindo conselhos do bondoso e bem-sol­teiro vigário.

Um dia, o coronel esperou terminar a missa e ficou assuntando os quatro ca­sais que retornavam para casa. Perce­beu que os olhares trançados indicavam tudo, menos respeito e amor. Foi nesse pé que o coronel lembrou-se do velho pai:

- Meu filho, tem hora que a gente tem que ser Salomão. Corta o problema ao meio, para salvar o que for possível!

Entendeu que era hora de acabar com a cabruzanga na propriedade. ­Levou os homens para o primeiro curral e foi per­guntando:

- Quais são as ovelhas ruins nesse lote?

O pastor daquele curral foi mostrando, uma a uma, separando as melhores numa baia. O coronel pediu a confirmação dos ex-companheiros, os quais, pa­ra mostrar sabença, trocaram uma ou outra, mas concordaram no geral.

- Muito bem! Agora, vamos dividir tu­do em quatro lotes. Quatro lotes das me­lhores e quatro lotes das piores.

Repetiu a operação nos outros três cur­rais e, depois, determinou a escolha:

- Vamos dividir tudo de novo, para aca­bar a briga. Agora, vamos ao sorteio, pela Bíblia. Cada um vai abrir a Bíblia em qualquer página. O primeiro a escolher o lote de ovelhas será o que tiver a pa­lavra “Deus” logo no começo da página. O último será aquele que tiver a pala­vra “Deus” lá no final da página.

Todos concordaram em ter a palavra divina como juiz supremo. Foi assim que o coronel acabou com a guerra ­entre os homens, quanto às ovelhas. Cada um tratou de reunir seus quatro lotes de me­lhores e quatro lotes de piores, levando o novo rebanho para seu território. ­Afinal, agora era um rebanho abençoado pela decisão divina.

Acabada a operação, já era quase ho­ra do almoço, o coronel reuniu os homens e as mulheres diante da casa-grande, colocou uns litros de boa cachaça, para comemorar o já-feito e o que ­faltava fazer. Abriu o discurso:

- Ninguém podia continuar vivendo num inferno, onde todos cobiçavam as me­lhores ovelhas dos amigos. Agora está tu­do resolvido. Para completar, é hora de confessar os pecados domésticos. Deus quer tudo em perfeita harmonia. Por isso, agora, cada mulher vai ­apontar os defeitos dos outros casais.

Foi assim que cada uma, já inspira­da pelas doses da boa cana, aproveitou a chance para espinafrar os supostos inimigos de calça ou de saia, mas sempre reduzia a voz quando falava de um deles, deixando clara sua pre­fe­rência. Nenhuma apontou o próprio marido co­mo referência do bem. Muito pe­lo contrá­rio, todas estavam insatisfeitas, mas tinham preferência por algum marido alheio. O coronel viu que estava fácil: bas­tava fazer um novo troca-troca. Sa­lo­mão teria feito o mesmo!

Dito e feito, pediu as alianças de ca­samento, colocou numa mesa, colocou um véu branco na cabeça das mulheres e selou o casamento sertanejo, com uma boa lapada prévia.

- Você aceita esse homem como seu marido especial, da mesma ­maneira que ele aceitou o novo rebanho indicado por Deus?

Todas concordaram, felizes pelo bom final, e o vislumbre de uma lua-de-mel aprovada e tão cobiçada. Os dias fe­lizes do novo casamento iriam apagar os longos meses de mágoa. Tudo voltaria ao normal, pelo menos por um bom tem­po.

A notícia correu, todos queriam saber como a cabruzanga terminara em festança. Aplaudiram o coronel que não se negava a dizer:

- Fui inspirado quando conversava com o padre. De um lado, colocamos as boas chances e, no outro, as más chan­ces, juntamos o bom com o bom para dar o ótimo. Só isso. O resto ficou por con­ta de Deus que inspira as boas ações dos homens e das mulheres.

Soube-se, depois, que outros proprietários adotaram o mesmo troca-troca salomônico para resolver problemas em suas fazendas, também com sucesso. Afinal, quando dois se entendem, não há brigas.






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