Em grande parte das propriedades do Brasil, o sistema de produção é extensivo com pressão de pastoreio durante todo o ano, ou seja, os animais ocupam e consomem o pasto continuamente. Isso se traduz em animais expostos a cargas parasitárias sempre presentes em maior ou menor grau dependendo da época do ano (alterações climáticas), da presença ou ausência de “vermifugação” e do estado fisiológico (gestação, parto, engorda) e nutricional dos animais.
O que nem todos os técnicos compreendem é que estes fatores estão interligados no momento do tratamento e que isto pode levar ao sucesso ou total insucesso do controle parasitário, ocasionando graves perdas econômicas. O descaso na aplicação deste conhecimento pode inclusive acelerar o processo de seleção de parasitas resistentes.
Como forma de orientar nas decisões no momento do tratamento antiparasitário, inclui-se aqui um item especifico sobre qual o tipo de benefício (fixo, transitório, incompleto) é encontrado para tais fatores em pequenos ruminantes. Tendo como único benefício fixo completo a seleção genética específica para tolerância aos parasitas.
Metabolismo
Quanto mais forte a constituição imunitária do hospedeiro, mais intensa será sua capacidade defensiva de tolerar o “ataque” parasitário. Certas circunstâncias podem, no entanto, debilitar a imunidade animal, causando sérios danos ao metabolismo proteico, responsável pela formação e manutenção da massa muscular e do sistema imune. Este metabolismo é prejudicado pela diminuição da capacidade de digestão e retenção de nitrogênio e ainda pela perda de proteínas endógenas (lesões de mucosa, exagerada produção de muco e células mucosas, e grande perda de células epiteliais) ou ainda interferências em momentos importantes da vida do animal, como a gestação e a imaturidade imunes relativas à idade do animal.
Animais jovens são mais sensíveis aos vermes do que animais adultos, entretanto, não existe o desenvolvimento de uma imunidade etária completa na vida de ovinos ou caprinos. Os cordeiros recém-nascidos (35-50 dias de vida), embora sejam sensíveis aos efeitos da verminose, correm menor risco devido à baixa ingestão de pastagens e, portanto, menor desafio com as larvas. Animais com idade a partir de seis semanas até o desmame são os mais afetados, enquanto que os adultos podem sofrer menos devido à proteção adquirida ao longo do tempo de exposição a estes parasitas.
Devem-se considerar estes mesmos fatores imunológicos no período periparto das fêmeas, pois alguns fatores foram incriminados (ex: prostaglandina), porém, não esclarecidos, sobre o aumento da sensibilidade frente aos efeitos dos parasitas. Neste caso, é aconselhável tratar esta categoria entre 2 e 3 semanas antes do parto e nunca tratar no dia do parto ou logo após.
Obs.: Benefício fixo, incompleto.
Estado nutricional
Animais bem nutridos, com alto nível de proteína na dieta, podem lidar melhor com os efeitos das parasitoses. Caso estes animais não recebam suplementação durante o período seco - quando diminuem quantidade e qualidade das pastagens - o problema das parasitoses poderá ser agravado.
Desta forma, os animais com melhor condição corporal (escore acima de 2,5), além de apresentarem resistência orgânica e produção de anticorpos satisfatórios contra os parasitas, também podem permitir que algumas drogas melhorem seu efeito farmacológico. Este último dado é demasiadamente importante e pouco observado, pois as lactonas macrocíclicas (moxidectina, abamectina, ivermectina) são moléculas que têm alta afinidade pelo tecido adiposo (camada de gordura), fixando-se por mais tempo nestes locais, sendo liberadas mais lentamente, entretanto, animais com escore muito alto, acima de 4,5 (obesos) podem ter o efeito da moxidectina diminuído.
Obs.: Benefício temporário de curto prazo.
Manejo de espécie animal
Animais de espécies diferentes podem ser acometidos por diferentes parasitas, podendo, na grande maioria dos casos, competir pelo mesmo pasto sem a chance de infecção cruzada. Esta prática de alternar pequenos ruminantes com outros animais está começando a ser utilizada em maior frequência, mesmo sem sua comprovada aplicação. Em algumas espécies animais pode ocorrer infecção por determinados parasitas, como é o caso da Fasciola hepatica, onde a infecção em ovinos é bem mais severa que em bovinos. O fato de tratar ovinos e caprinos seguidamente contra este parasita, amplia a chance da infecção por F. hepatica resistente, isto também em bovinos.
Obs.: Benefício temporário de curto prazo.
Local e forma de aplicação do medicamento
Estima-se que cerca de 80% das aplicações de vermífugos em grandes animais seja realizada de forma errônea no Brasil. O técnico deve sempre respeitar a via de aplicação do medicamento (claramente descrito na bula), seja ela realizada por via oral, subcutânea ou intramuscular, evitando as adaptações milagrosas visando uma economia ilusória.
Em pequenos ruminantes, a via mais comumente utilizada é a oral, onde se deve tomar cuidado para que ocorra uma perfeita administração do medicamento. É importante não estender a cabeça do animal acima da linha horizontal do dorso na hora da aplicação, com o objetivo de não ativar a goteira esofágica, diminuindo a eficácia do medicamento. No caso da aplicação subcutânea, deve-se inserir a agulha profundamente, direcionando-a de cima para baixo, para evitar o refluxo dos produtos com base oleosa.
Obs.: Benefício temporário de curto prazo.
Concentração e tempo de efeito
O conceito de que o efeito do medicamento seja em dobro quando o técnico dobra sua dose é errado. Então, deve-se trabalhar com medicamentos indicados para tal propósito. Alguns produtos trazem informações de ação prolongada. Calculadas as vantagens e desvantagens de se utilizar tal produto, o técnico deve prever o tempo deste benefício e calcular quando será necessária sua nova utilização.
Contrapondo a ideia de aumentar a dose, o mais prudente é tratar os animais com intervalos de 12 horas com bases de baixa concentração, com o objetivo de manter o nível tóxico do medicamento no organismo por um período maior, com consequente efeito sobre os parasitas. A estratégia de elevar a dose de qualquer medicamento causa diretamente o aumento da seleção de parasitas resistentes.
Obs.: Benefício temporário de médio ou curto prazo.
Tipo da molécula
A criação de ovinos e caprinos foi amplamente beneficiada com a chegada dos primeiros compostos químicos para controle parasitário nos anos 40. Atualmente, várias drogas (levamisole, benzimidazole, closantel, disofenol e lactonas macrocíclicas) são utilizadas com este intuito e o fato de serem utilizadas com grande frequência cresce a resistência frente a elas. Cada um deles tem seu mecanismo de ação, que irá atuar em funções vitais do parasita. Parasitas dos gêneros Haemonchus sp., Trichostrongylus sp., Cooperia sp. e Ostertagia sp. já demonstraram resistência frente a todas estas famílias. A escolha de produtos da mesma família não é, portanto, indicada e nem mesmo a alternância frequente destes.
Obs.: Benefício temporário.
Espécie do parasita
Da mesma forma como é importante saber o tipo de molécula, é fundamental utilizar a classe de medicamento que irá agir sobre o parasita-problema do rebanho. Com isto em mãos, deve-se evitar o uso de compostos de amplo espectro sempre que possível. A utilização de medicamentos específicos tem o único objetivo de agir apenas nos parasitas alvos e evitar o desenvolvimento de resistência para outros parasitas.
Obs.: Benefício temporário.
Efeito do meio ambiente (fatores climáticos)
A disponibilidade de larvas infectantes nas pastagens está estritamente ligada com os fatores climáticos (chuva, seca, temperatura, umidade) de cada região, portanto, o período de maior incidência de larvas é diferente em cada macro ou micro região do Brasil.
Na região Sul, por apresentar clima subtropical semelhante ao clima temperado, apresenta estações mais definidas durante o ano. Em períodos de seca (junho, julho e agosto na maioria do país), as larvas sofrem para sobreviver no pasto, devido ao ambiente desfavorável. Em contrapartida nos períodos chuvosos, a carga parasitária aumenta e, consequentemente, nos animais também. O período de maior infecção, no entanto, é no início e no final do período chuvoso, conhecido como período de translação, onde existe maior contato entre as larvas infectantes e os hospedeiros.
Solos com baixa umidade ou drenados e pasto mantido muito baixo podem desfavorecer a incidência de parasitas devido ao ambiente seco e a grande incidência de radiação solar. É importante ressaltar que nem o frio nem a seca impedem a ocorrência anual das parasitoses e a indicação terapêutica de tratamento não deve ser mantida fixa em certos meses por existir uma significativa variação entre anos.
Obs.: Benefício temporário.
Impacto no meio ambiente
Embora de baixo risco, o impacto dos resíduos de um antiparasitário excretado pelo animal no meio ambiente pode ser exercido sobre diferentes formas de vida, inclusive ao homem. Caso a forma de uso e carência do produto sejam respeitadas, o risco do resíduo de um antiparasitário causar malformações em organismos da fauna e flora é quase nulo.
No Brasil, estima-se que cerca de 60% dos produtos antiparasitários utilizados são da classe das lactonas macrocíclicas. Estes compostos, quando eliminados nas fezes, ligam-se fortemente ao solo e podem permanecer estáveis por até 200 dias, porém, não mostram toxicidade em minhocas e animais aquáticos nas criações em tanques e próximos a córregos. Para mensurar tais danos, os melhores indicadores para a toxicidade no ambiente são besouros (coleópteros), por serem os primeiros colonizadores do esterco. O mais conhecido é o Onthophagus gazella (“rola-bosta”), sendo que os compostos antiparasitários possuem efeitos diferenciados sobre eles.
A partir do volume de vendas e do tamanho do rebanho bovino, calcula-se que no Brasil sejam liberadas 15 toneladas de ivermectina no meio ambiente por ano, porém, estudos mais aprofundados devem ser realizados para elucidar as possíveis modificações que possam ocorrer em outros animais e ao homem.
Obs.: Dano fixo em larga escala, podendo ser temporário quando se adotam boas práticas agropecuárias de tratamento parcial seletivo.
Bem-estar animal
Cada vez mais cresce a preocupação com o bem-estar dos animais de produção, não só na questão da ética, mas, sim, como parceiro na manutenção dos índices produtivos e melhorias nos resultados. Esta nova visão ou atitude em geral traz benefícios para o rebanho, que faz com que seja cada vez mais fácil lidar com os animais.
O método FAMACHA cabe perfeitamente neste conceito e pode servir como fator diferencial também no momento de comercialização tanto da carne (produção orgânica) como de animais para compor um rebanho selecionado tolerante ao parasita Haemonchus contortus.
Trabalhos realizados com bovinos mostraram que existe grande vantagem em se fazer aplicação de medicamento quando os animais estão contidos no tronco, garantindo principalmente tranquilidade, segurança (diminuição de acidentes) e capricho no manejo que poderá refletir em melhores resultados, sem que ocorra maior tempo na execução da tarefa. No método tradicional, o tempo gasto em média na aplicação de um antiparasitário é de 10,2 segundos/cabeça, enquanto no método com a contenção individual no tronco é de 9,3 segundos.
Seria interessante comprovar o uso destas técnicas, correlacionando o grau de bem-estar com a condição imune do organismo, frente às agressões dos parasitas.
Obs.: Benefício temporário.
Conclusão
Muito embora os procedimentos ora mencionados possuam uma relação inversa quanto à seleção de organismos resistentes, cabe somente ao técnico sua justa aplicação. Sabendo inclusive que os parasitas já são marginalmente tolerantes aos tratamentos, qualquer falha na utilização do conhecimento poderá acelerar o aparecimento desta.
O objetivo aqui é orientar e propor que todos os métodos de controle sejam utilizados de forma integrada como prevê o Sistema Integrado de Controle Parasitário (SICOPA), buscando sempre a utilização de antiparasitários apenas de maneira complementar, visando minimizar a utilização de drogas e ao mesmo tempo maximizar a produtividade do rebanho.
Estes esquemas podem ser potencialmente elaborados por médicos-veterinários preparados para orientar produtores, propondo ações de longo prazo a fim de buscar máxima eficiência nos tratamentos com ganho zootécnico e alto grau de bem-estar do rebanho.
Marcelo Beltrão Molento e Leonardo Hermes Dutra são médicos-veterinários, especialistas em doenças parasitárias.
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